“ Não é possível atear fogo a uma pilha de lenha enquanto a madeira não estiver seca” BRUTON, Paul
“A noite, que muitos fantasmas
gera,facilmente faz do cepo uma
fera”
O Princípio do Mentalismo
O Mentalismo é, sem dúvidas, o Princípio Hermético mais controvertido de todos, talvez porque ele diz respeito a uma condição incomum e difícil, que é mostrar algo que pertence ao absoluto em manifestação no mundo relativo. Pode-se sentir a dificuldade de se descrever a verdadeira natureza do mundo através de palavras, por isto místicos e filósofos orientais dizem que a creação – expressa como o mundo do relativo – nada mais é do que um “Pensamento de Deus”, ou mesmo, que é como se fosse um “Sonho de Deus”, ou algo assim.
Nesta palestra, primeiramente, queremos salientar que o pensamento não existe fora da creação, no momento em que ele surge o transcendente se torna imanente. Conforme já estudamos em outras palestras, ao contrário do dizem algumas doutrinas, o universo não pode a rigor ser considerado um pensamento de Deus e igualmente também não pode ser um sonho de Deus a não ser que consideremos todas as creaturas como Deus. O universo é sim um pensamento da mente limitada dos seres.
Temos visto opiniões de pensadores que chegam a afirmar que coisa alguma existe fora da nossa mente, que todo o universo está dentro e não fora da mente, e assim sendo as coisas visíveis não são reais fora dela. Mas falar assim reflete uma má interpretação no tocante ao que significa o Princípio do Mentalismo quando diz que “Tudo é Mente”. A expressão “tudo é mente” indica apenas que tudo o que existe para nós são percepções, ou seja, todas as coisas se fazem sentir como percepções mentais, sem ter sua existência real tal como se nos apresentam. O mundo para a pessoa é uma condição basicamente baseada nas percepções dela.
É mais fácil se entender que o universo é apenas o resultado de um estado da mente que toma uma coisa por outra, que admite que de alguma forma as coisas existe no mundo físico, portanto elas têm existência real, embora não seja aquilo que a pessoa percebe. Acontece que tudo aquilo que algo parece ser, na realidade não se trata da coisa em si, mas sim de uma imagem mental formada, por isto pode não ser o mesmo para uma outra pessoa. É nisto que se baseia o Princípio do Mentalismo, todas as concepções que se tem das coisas em particular, e do mundo como um todo, são apenas ilusões, não coisas estruturadas como elas parecem ser, meras imagens mentais, formas de percepção, apenas.
Só se pode entender bem o que quer dizer o mentalismo quando antes já se entende o significado de duas expressões: Ilusão e Alucinação por isto, de início vamos conceituar o que é uma alucinação. Alucinação diz respeito a uma imagem mental formada sem que exista objeto alguma coisa presente que a gere. Por outro lado, ilusão é uma imagem mental formada a partir de um objeto existente, mas que a mente toma-o como sendo outro. Aqui vale um ditado popular: “A noite, que muitos fantasmas gera, facilmente faz do cepo uma fera”...Na verdade esse verso define bem o que é uma ilusão. Na alucinação a mente cria algo que exista um algo que passa a ser aceito como sendo outra, algo que os sentidos físicos e instrumentos não detectam. Na ilusão sim, existe algo detectável, mas acontecendo que aquilo que é detectado não corresponde ao que é registrado pelos sentidos e interpretado pela mente.
Agora vejamos, muitas pessoas que endossam o Princípio do Mentalismo admitem o universo como se ele fosse uma alucinação – visão sem objeto. Assim elas o aceitam como tal, e dizem que o que o Mentalismo afirma é que o Universo é uma ilusão – visão com objeto – mas não uma alucinação – visão sem objeto. Nesta palestra, visando facilitar o entendimento e “amaciar” a reação contrária do discípulo vamos considerar precisamente assim. Em palestra futura elevaremos a compreensão do discípulo até um patamar mais sutil quando adotaremos a natureza alucinatória em detrimento da ilusória para justificar todo o Universo.
O universo com tudo o que o compõe existe como objeto, mas acontece que a mente é que não o percebe como ele essencialmente é[1], e sim como é aquela imagem que é montada pelo pensamento. Se qualquer imagem mental é algo próprio de cada pessoa, algo individual, então a imagem mental que dele é feita, também não corresponde à realidade (na linguagem Rosacruz = atualidade). A imagem que se tem do universo trata-se de algo mental, o que se percebe é um universo mental – Tonal[2] – e não a natureza daquilo que determina a percepção – Nagual. Como base, como verdadeira natureza, ele é falso, apenas uma imagem montada. Naturalmente existe algo que a mente toma como mundo, existe uma montagem mental que chamamos mundo, mas isto não quer dizer que essa montagem seja idêntica para todos. Acontece da mesma forma como dissemos a respeito de Deus; cada um cria o deus à sua própria imagem, pelo que todos os deuses são falsos, assim como todas as criações efetivadas pelo pensamento. Isto pode ser dito com relação às coisas em geral e ao próprio universo. Todos os conceitos e imagens que se tem das coisas e também do universo são evidentemente falsas. Coisa alguma é como é vista ou sentida, não é nem o que se vê, nem o que se mede, e nem o que se pensa; até mesmo tempo e espaço estão incluídos nisto.
Muitos mentalistas chegam a dizer que coisa alguma existe fora da mente, que tudo está dentro da mente. No ser encarnado, a mente funciona como se existisse dentro do cérebro e sendo assim não fica fácil a pessoa colocar um automóvel, ou um elefante, e ainda mais o próprio mundo inteiro dentro da cabeça. Não fica fácil a pessoa bater com um pé numa pedra machucando-o e depois dizer que a pedra não existe e bem assim também o dedo do pé. Não se enganem, este mundo é real e objetivo para tudo o que é objetivo e estiver fazendo parte da própria ilusão[3]. O que o Principio do Mentalismo quer dizer é que a pedra, o pé, o carro, o mundo, e tudo o mais, não são exatamente aquilo que é percebido, mas algo do qual se tem uma percepção; a percepção tem objeto sobre o qual estrutura-se uma imagem que é uma ilusão.
Vale o exemplo deixado pelo filósofo Vedanta Sankara que bem auxilia no entendimento do universo mental. Trata-se de uma comparação feita entre uma corda enrolada e uma cobra. A pessoa vê a corda e pode pensar se tratar de uma cobra. Assim, conforme a intensidade de tal convicção, mesmo em se tratando de uma ilusão, ela pode até provocar um ataque cardíaco e matar a pessoa. Embora se tratando de uma simples corda, mas se a pessoa ao ter a visão da corda a mente a interpreta como sendo uma serpente a partir do que a pessoa age como se aquilo realmente o fosse. Mas, na verdade se trata de uma ilusão, mas mesmo sendo uma ilusão isto não indica que a corda não exista. Na verdade a ilusão não é gerada do nada, existe algo, que não é uma cobra, mas que a mente o associa com ela. Assim acontece com o mundo imanente, algo existe, mas que não é realmente aquilo que se acredita ser. Na realidade a partir de algo existente a mente cria tudo quando há, todas as formas e aspectos do mundo imanente nada mais são do que criações mentais – ilusões.
A imagem que se tem do universo não é uma alucinação, mas sim uma ilusão desde que tem objeto. O objeto como é visto, ou sentido, é que é ilusão, desde que nunca é aquilo que se percebe. Todas as imagens, todas as formas, incluindo até mesmo tempo e espaço não são conforme se vê ou sente-se.
O que se vê das coisas, o espaço ocupado por ela, assim também o tempo envolvido com ele, são valores relativos, algo bem distante da realidade. Os Rosacruzes para definir este estado usam o termo realidade e atualidade. Dom Juan usava os temos Tonal e Nagual. Dizer que o universo não existe, que tudo é um sonho, e coisas assim, são quimeras que pertencem aos arsenal das insanidades e não da filosófica, como diz Paul Brunton.
Por outro lado, igualmente errado é separar o objeto da mente, colocar como algo separado da consciência, atribuir ao corpo qualidade que devem ser imputadas à mente. Não é lícito tratar como mental o conhecimento que se tem de todos os objetos externos.
O Mentalismo tem o seu valor por dizer que tudo se conhece através da mente, que tudo é medido pelos valores da mente, e conseqüentemente tudo é construído pela mente – o mundo – mas isto só se aplica no que diz respeito às imagens que se criam das coisas e não as coisas em si. Só os mentalistas menos preparados dizem que coisa alguma existe fora da pessoa. Isto acontece porque eles confundem o sentido de extracorporal com extramental. O universo extracorpóreo existe sim, mas o que se percebe dele é intramental. Todas as idéias formadas, todos os conceitos, estão na mente, porém não indicando isto que nada exista fora da mente.
O que é mente? Sentir - pensar - querer. Já dissemos que só se quer o que se pensa e só se pensa no que existe – ao menos como registro da memória – e só há registro na memória do que de alguma forma aconteceu ou existe. Por isto é que todas as idéias que se possa fazer do universo ou de qualquer parte dele são montagens mentais, assim sendo é que o Hermetismo diz que o nosso universo é mental, e conseqüentemente que existe um universo próprio de cada um.
Jamais alguém pode “ver” um objeto fora da mente. Tudo o que se vê e se tem como um objeto é uma imagem montada, estruturada, a partir dos blocos de memória preexistentes. Seja qual for à imagem ela é mental e comporta-se como uma ilusão. Pode-se dizer que o mundo é uma ilusão, pois a mente aceita com um coisa aquilo que em essência é outra. Mas, por outro lado não é válido se dizer que o universo é uma alucinação, algo simplesmente creado na tela da mente. Os orientais até definem bem quando chama o universo de “O Mundo de Maya”, ou que equivale dizer o mundo da ilusão. Vejam que eles não chamam de mundo da alucinação e sim mundo da ilusão.
É válido se dizer que tudo o que se vê quase sempre é apenas pensamento. Isto é correto porque é o pensamento que estrutura tudo a partir de um objeto que existe. Todas as coisas existentes tais como são percebidas são montagens efetivadas pelo pensamento, desde que tudo o que se vê e mesmo que se sente depende dele. Não é possível se ver algo que não tenha uma imagem mental formada pelo pensamento. Quando se observa algo esse algo existe, mas as características com que se apresentam são obviamente estruturações do pensamento. Por outro lado há uma percepção que vai alem do pensamento – ver – que é o perceber diretamente – enxergar - a essência das coisas.
[1] Usando-se a “Arvore da Vida” a mente percebe o Universo e as coisas que o compõem como Yesod e não como Tipheret.
[2] Termo usado por Dom Juan e expressos nas obras de Carlos Castaneda.
[3] O Mundo de Matrix era muito real para Neal, mesmo que ele soubesse se tratar de uma ilusão gerado por uma máquina.